Ser linda e maravilhosa não é a única coisa que importa, ok?
E podemos dizer ainda que McAdams viu isso. Mesmo com seu sucesso no início da carreira, também incluindo Vôo Noturno e Penetras Bons de Bico na lista, ela notou que algo estava errado (em sua carreira) e resolveu dar um tempo das filmagens. Foram dois anos longe dos estúdios, apenas para ela voltar com papéis empoderadores em filmes independentes: Vida de Casado, lado-a-lado a Pierce Brosnan, representando a amante, e Gente de Sorte, que fala sobre a readaptação de soldados após o Iraque. Neste ela não representa a namorada de ninguém e não apenas interpreta uma ex-oficial, mas sim uma com um ferimento grave na perna, a deixando manca. Como esses filmes provavelmente não estavam pagando o aluguel, Rachel foi forçada a voltar para a media mainstream em 2009.
Ainda segundo Mendelson, a partir de 2008 o mercado continuava pior para papéis femininos fortes no cinema, sendo apenas uma mulher necessária em cada filme, e cada vez mais distantes da idade da atriz canadense. McAdams ainda deu a sorte de participar do incrível Intrigas de Estado, em que representa uma blogger jornalista com papel essencial em desvendar o suspense jornalístico. Logo depois, ela ganha um papel em Sherlock Holmes, sendo A Mulher - ou seja, Irene Adler. Um papel incrível mas que obviamente foi danificado por Hollywood, ao pegar uma personagem pela qual Sherlock não demonstra o menor interesse amoroso em qualquer livro - apenas uma grande admiração por sua inteligência, inclusive chegando a comparar-se em alguns casos - e transformá-la na garota de Sherlock Holmes. Mas a pior parte foi que na sequência do filme, ela teve que ser morta para dar lugar à personagem de Noomi Rapace - já que duas mulheres de importância em um filme é um exagero. Rachel representou um papel feminino importante em Uma Manhã Gloriosa, fadado ao fracasso desde o seu início apesar do elenco incrível, e cheios de defeitos por pequenos machismos (como colocar um Christian Louboutin - um sapato de pelo menos 700 dólares - nos pés de uma jornalista desesperada por um emprego, apenas para deixar a mulher com um ar mais requintado, que nem ao menos combinava com a personagem). Paixão, de Brian de Palma, também traz McAdams em um papel interessante no qual ela comanda uma empresa em Berlim e joga com a personagem de Noomi Rapace para seu próprio benefício, além de ter uma sexualidade em alta e apenas para o seu próprio prazer - o que sempre é bem vindo em questões de representação feminina.
Mas também não consigo deixar de ser linda e maravilhosa, né
Além desses, os outros papéis de McAdams foram: o da mulher deixada para trás enquanto seu marido viaja pelo tempo, em Te Amarei Para Sempre (no qual apagam toda a personalidade forte que a personagem tem no livro), a mulher sem memória que o marido precisa reconquistar, em Para Sempre, a garota chata e descartada em Meia-Noite em Paris, um dos interesses amorosos de Ben Affleck em Amor Pleno e a namorada do outro cara que viaja no tempo, em Questão de Tempo. Ah, e Rachel também é a única mulher no último filme que Phillip Seymour Hoffman atuou. E seu futuro não pareceria muito mais promissor: a única mulher em Spotlight, a voz da mãe em Pequeno Príncipe, a ex-namorada de Bradley Cooper que tenta se reconectar com ele enquanto ele se conecta ao mesmo tempo com Emma Stone, em Sob o Mesmo Céu, e a mulher de um boxeador, que morre no primeiro terço do trailer do filme, em Southpaw. E a verdade é que nos últimos anos os papéis destacáveis para mulheres em Hollywood realmente ficaram cada vez mais escassos, e sempre foram e sempre serão dados àquelas mulheres de uma geração anterior, que se beneficiaram de uma época em que existiam papéis fortes para representarem. Filmes que fizeram a carreira de Ashley Judd já não existem mais, e até mesmo Julia Roberts e Sandra Bullock, que tiveram tantos papéis importantes nos anos 90, foram deixadas de lado. Pensem em todos aqueles filmes de Tela Quente, como Erin Brokovich, Uma Linda Mulher, Velocidade Máxima e até mesmo Miss Simpatia, Da Magia à Sedução - onde é que eles foram parar? E até um pouco mais pra frente - Legalmente Loira? Em que local enfiaram as grandes protagonistas femininas? Especialmente as que não estão sozinhas em um universo dominado por homens? Bom, claro, existem grandes protagonistas femininas atualmente - é só vermos a Katniss em Jogos Vorazes, ou a Tris em Divergente... Mas onde foram parar as protagonistas femininas não-adolescentes? Por que apenas adolescentes do sexo feminino são importantes para a atual indústria e não as trintonas e quarentonas? Por que os únicos papéis que estão abertos para elas, atualmente, são o de ser a mulher de algum homem? E como os grandes filmes são centrados em um enorme elenco masculino, tendo espaço apenas para uma mulher - duas, se você tiver muita sorte?
Da Magia à Sedução: o título já é basicamente uma história
sobre o papel feminino no cinema nas últimas décadas.
Não é à toa que mulheres resolveram tomar as rédeas da indústria e buscar papéis melhores para elas mesmas. Reese Witherspoon, estrela maravilhosa e empoderada de Legalmente Loira (sério, re-assistam esse filme com os olhos do feminismo), se cansou de perguntar aos produtores o que eles estavam desenvolvendo para mulheres, e, ao perceber que todas as atrizes de 30 anos estavam disputando o mesmo único papel bom existente para mulheres de tal idade, resolveu colocar as mãos na massa: junto com uma produtora australiana, Bruna Papandrea, criaram o Pacific Standard, uma produtora com um objetivo bem claro: "Nós temos o mesmo objetivo em termos de primeiro focar em desenvolver papéis para mulheres. E nós estamos abertas a todos os gêneros de filme nessa companhia. O que nos atrai é personalidade e uma voz divertida e única. Nós só queremos ver mulheres diferentes, dinâmicas, nas telas.". Dois anos após a criação da produtora, dois filmes foram lançados: e os dois foram para o Oscar. Garota Exemplar, com sua magnífica protagonista psicopata e tão inteligente que você se arrepia inteira, e Livre, que apresenta uma Reese Witherspoon sem maquiagem e sem espelhos no set. Mas, sem nenhuma surpresa, nenhum filme com protagonista feminina foi indicado pela Academia como Melhor Filme.
Valeu por ter entendido direitinho o papel de Legalmente Loira, Reese.
Até essa semana, eu ainda acreditava que o papel de McAdams em True Detectives (que basicamente pode ser considerado uma última chance para atores que não deram certo) seria também somente o da policial feminina frágil a ser resgatada. Qual não foi a minha surpresa a ver esse trailer?
E eu espero que não seja apenas True Detective - e nem somente a Pacific Standard - que continuem com isso. Queremos sim mais filmes de mulherzinha. Só não queremos que mulherzinha signifique o que você está acostumado a achar que significa.
(E ah! Você pode ler o artigo na Forbes sobre a carreira-que-deveria-ter-sido da Rachel aqui, ó!)
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