Rachel McAdams, representação feminina e True Detective

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Dez anos atrás, Rachel McAdams parecia ser a nova queridinha de Hollywood. Entre terminar de protagonizar Meninas Malvadas (um dos filmes mais importantes das últimas décadas, aliás - e não, eu não estou brincando.) e Diário de Uma Paixão, além de um namoro com Ryan Gosling que rendeu a ela o casal mais fofo de Hollywood - mesmo que tenha sido antes dele ser bonito, parecia que o céu era o limite para a jovem atriz. Mas algo aconteceu no caminho e a atriz se perdeu entre filmes nos quais está presa a uma trama destinada ao personagem masculino, melodramas românticos e filmes que a encaixam em uma posição privilegiada, mas que não tem sucesso algum. Segundo o colunista da Forbes, Scott Mendelson, o principal crime de Hollywood, que fez McAdams uma das maiores vítimas foi: você não pode ser a próxima grande estrela feminina dos cinemas quando Hollywood não está fazendo esses papéis.

Ser linda e maravilhosa não é a única coisa que importa, ok?

E podemos dizer ainda que McAdams viu isso. Mesmo com seu sucesso no início da carreira, também incluindo Vôo Noturno e Penetras Bons de Bico na lista, ela notou que algo estava errado (em sua carreira) e resolveu dar um tempo das filmagens. Foram dois anos longe dos estúdios, apenas para ela voltar com papéis empoderadores em filmes independentes: Vida de Casado, lado-a-lado a Pierce Brosnan, representando a amante, e Gente de Sorte, que fala sobre a readaptação de soldados após o Iraque. Neste ela não representa a namorada de ninguém e não apenas interpreta uma ex-oficial, mas sim uma com um ferimento grave na perna, a deixando manca. Como esses filmes provavelmente não estavam pagando o aluguel, Rachel foi forçada a voltar para a media mainstream em 2009.

Ainda segundo Mendelson, a partir de 2008 o mercado continuava pior para papéis femininos fortes no cinema, sendo apenas uma mulher necessária em cada filme, e cada vez mais distantes da idade da atriz canadense. McAdams ainda deu a sorte de participar do incrível Intrigas de Estado, em que representa uma blogger jornalista com papel essencial em desvendar o suspense jornalístico. Logo depois, ela ganha um papel em Sherlock Holmes, sendo A Mulher - ou seja, Irene Adler. Um papel incrível mas que obviamente foi danificado por Hollywood, ao pegar uma personagem pela qual Sherlock não demonstra o menor interesse amoroso em qualquer livro - apenas uma grande admiração por sua inteligência, inclusive chegando a comparar-se em alguns casos - e transformá-la na garota de Sherlock Holmes. Mas a pior parte foi que na sequência do filme, ela teve que ser morta para dar lugar à personagem de Noomi Rapace - já que duas mulheres de importância em um filme é um exagero. Rachel representou um papel feminino importante em Uma Manhã Gloriosa, fadado ao fracasso desde o seu início apesar do elenco incrível, e cheios de defeitos por pequenos machismos (como colocar um Christian Louboutin - um sapato de pelo menos 700 dólares - nos pés de uma jornalista desesperada por um emprego, apenas para deixar a mulher com um ar mais requintado, que nem ao menos combinava com a personagem). Paixão, de Brian de Palma, também traz McAdams em um papel interessante no qual ela comanda uma empresa em Berlim e joga com a personagem de Noomi Rapace para seu próprio benefício, além de ter uma sexualidade em alta e apenas para o seu próprio prazer - o que sempre é bem vindo em questões de representação feminina.

Mas também não consigo deixar de ser linda e maravilhosa, né

Além desses, os outros papéis de McAdams foram: o da mulher deixada para trás enquanto seu marido viaja pelo tempo, em Te Amarei Para Sempre (no qual apagam toda a personalidade forte que a personagem tem no livro), a mulher sem memória que o marido precisa reconquistar, em Para Sempre, a garota chata e descartada em Meia-Noite em Paris, um dos interesses amorosos de Ben Affleck em Amor Pleno e a namorada do outro cara que viaja no tempo, em Questão de Tempo. Ah, e Rachel também é a única mulher no último filme que Phillip Seymour Hoffman atuou. E seu futuro não pareceria muito mais promissor: a única mulher em Spotlight, a voz da mãe em Pequeno Príncipe, a ex-namorada de Bradley Cooper que tenta se reconectar com ele enquanto ele se conecta ao mesmo tempo com Emma Stone, em Sob o Mesmo Céu, e a mulher de um boxeador, que morre no primeiro terço do trailer do filme, em Southpaw. E a verdade é que nos últimos anos os papéis destacáveis para mulheres em Hollywood realmente ficaram cada vez mais escassos, e sempre foram e sempre serão dados àquelas mulheres de uma geração anterior, que se beneficiaram de uma época em que existiam papéis fortes para representarem. Filmes que fizeram a carreira de Ashley Judd já não existem mais, e até mesmo Julia Roberts e Sandra Bullock, que tiveram tantos papéis importantes nos anos 90, foram deixadas de lado. Pensem em todos aqueles filmes de Tela Quente, como Erin Brokovich, Uma Linda Mulher, Velocidade Máxima e até mesmo Miss Simpatia, Da Magia à Sedução - onde é que eles foram parar? E até um pouco mais pra frente - Legalmente Loira? Em que local enfiaram as grandes protagonistas femininas? Especialmente as que não estão sozinhas em um universo dominado por homens? Bom, claro, existem grandes protagonistas femininas atualmente - é só vermos a Katniss em Jogos Vorazes, ou a Tris em Divergente... Mas onde foram parar as protagonistas femininas não-adolescentes? Por que apenas adolescentes do sexo feminino são importantes para a atual indústria e não as trintonas e quarentonas? Por que os únicos papéis que estão abertos para elas, atualmente, são o de ser a mulher de algum homem? E como os grandes filmes são centrados em um enorme elenco masculino, tendo espaço apenas para uma mulher - duas, se você tiver muita sorte? 

Da Magia à Sedução: o título já é basicamente uma história 
sobre o papel feminino no cinema nas últimas décadas.

Não é à toa que mulheres resolveram tomar as rédeas da indústria e buscar papéis melhores para elas mesmas. Reese Witherspoon, estrela maravilhosa e empoderada de Legalmente Loira (sério, re-assistam esse filme com os olhos do feminismo), se cansou de perguntar aos produtores o que eles estavam desenvolvendo para mulheres, e, ao perceber que todas as atrizes de 30 anos estavam disputando o mesmo único papel bom existente para mulheres de tal idade, resolveu colocar as mãos na massa: junto com uma produtora australiana, Bruna Papandrea, criaram o Pacific Standard, uma produtora com um objetivo bem claro: "Nós temos o mesmo objetivo em termos de primeiro focar em desenvolver papéis para mulheres. E nós estamos abertas a todos os gêneros de filme nessa companhia. O que nos atrai é personalidade e uma voz divertida e única. Nós só queremos ver mulheres diferentes, dinâmicas, nas telas.". Dois anos após a criação da produtora, dois filmes foram lançados: e os dois foram para o Oscar. Garota Exemplar, com sua magnífica protagonista psicopata e tão inteligente que você se arrepia inteira, e Livre, que apresenta uma Reese Witherspoon sem maquiagem e sem espelhos no set. Mas, sem nenhuma surpresa, nenhum filme com protagonista feminina foi indicado pela Academia como Melhor Filme. 

Valeu por ter entendido direitinho o papel de Legalmente Loira, Reese.

Até essa semana, eu ainda acreditava que o papel de McAdams em True Detectives (que basicamente pode ser considerado uma última chance para atores que não deram certo) seria também somente o da policial feminina frágil a ser resgatada. Qual não foi a minha surpresa a ver esse trailer?


Tudo bem, ela continua sendo a única mulher em um elenco dominado por homens. Mas também é a única pessoa que ganhou cenas de ação do trailer - excluindo uma pequena corrida de Taylor Kitsch. Ela é a pessoa com o colete à prova de balas, a que corre enquanto recarrega a sua arma, a que treina enquanto mostra os seus ombros muito bem definidos - talvez até definidos demais para uma mulher - e enfia a faca em um boneco de um modo que até dói. Além disso, seu cabelo está mais curto, a raiz por fazer, não vemos maquiagem e suas roupas não são sensuais, e sim condizentes com a profissão da personagem. E isso pode não significar nada, pode ser sim que a série acabe a representando como Hollywood fez durante todos esses anos, e que tenha sido apenas a impressão de um trailer. Mas já é algo bastante significativo - ainda mais quando você considera a temporada passada da série, na qual as únicas mulheres eram reservatórios de esperma para os dois detetives. Mas eu espero que não: eu espero que a personagem feminina desse seriado valha por mil e que tenha todas as dimensões que os personagens masculinos da temporada passada tiveram.

E eu espero que não seja apenas True Detective - e nem somente a Pacific Standard - que continuem com isso. Queremos sim mais filmes de mulherzinha. Só não queremos que mulherzinha signifique o que você está acostumado a achar que significa. 

(E ah! Você pode ler o artigo na Forbes sobre a carreira-que-deveria-ter-sido da Rachel aqui, ó!)

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