Um disco para um dia de chuva: Carrie & Lowell, de Sufjan Stevens

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Sufjan Stevens não é um artista novo ou estreante - seu primeiro disco, A Sun Came, saiu ainda lá em 2000, e desde então o músico já lançou sete álbuns de estúdio, além de outros trabalhos, entre EPs e outros projetos. Mas eu só parei para prestar atenção nele recentemente, quando recebi, lá na rádio onde trabalho, um release sobre seu último lançamento, Carrie & Lowell.

Sem querer ser mórbida, mas eu confesso que o que me despertou mesmo a curiosidade de ouvir o disco foi o fato de que ele parecia muito, muito triste. É sério. Fiquei intrigada pelo tema, pelos títulos das músicas, pelo tom meio confessional do trabalho. Acho que, desde que li Através do Espelho, do Jostein Gaarder, eu passei a associar coisas tristes com coisas bonitas: "Nós choramos quando alguma coisa é triste. E às vezes também derramamos uma lágrima quando alguma coisa é muito bela", define o autor (que é o mesmo de O Mundo de Sofia, aliás). "Talvez algo muito bonito também nos deixe tristes porque sabemos que não vai durar para sempre." Resumo da ópera: fui ouvir Sufjan Stevens. E adorei.




Mas comecemos pelo começo - porque pode até ser que, sem associar o nome à pessoa, você já conheça o Sufjan. Ele já teve músicas nas trilhas sonoras de seriados como Nip/Tuck e The O.C. (pois é, The O.C. faz tempo - eu disse que ele não é estreante), e também do filme Pequena Miss Sunshine - uma delas, Chicago, é talvez o seu maior sucesso até agora; e faz parte do álbum Illinois, que em 2005 chegou a aparecer nas listas de mais vendidos da Billboard.

  

O estilo mais folk, com direito a banjo e outros instrumentos menos convencionais, é marca registrada do músico - embora ele já tenha se aventurado por outros gêneros, como o eletrônico de Enjoy Your Rabbit. Multi-instrumentista, o norte-americano (sim, apesar do nome, ele nasceu em Detroit, e atualmente mora em Nova York. 'Sufjan' é um nome persa, pré-arábico, que significa algo como 'portador de uma espada'; e foi dado ao artista por causa de uma comunidade religiosa a que seus pais pertenciam na época de seu nascimento) domina violão, guitarra, piano, bateria, xilofone e muitos outros; e geralmente toca e grava todos os instrumentos de seus trabalhos, além das diversas faixas vocais. Em Carrie & Lowell, lançado no finalzinho de março, Sufjan voltou com tudo às raízes folk, em um disco que vem sendo considerado pela crítica um dos melhores de sua carreira. Mais intimista que seus trabalhos anteriores, Carrie & Lowell traz o músico acompanhado de piano e violão, com letras detalhistas e um cantar mais calmo, quase susurrado. Uma coisa quase meio Paul Simon, assim, sabe? De certa forma, há um retorno ao estilo do álbum Seven Swans, mas diferente – entre os dois lançamentos, há mais de uma década de experimentações e evolução musical.

O título do disco traz os nomes da mãe e do padrasto de Sufjan: Carrie era bipolar e esquizofrênica, sofria com o vício em drogas e morreu em 2012, vítima de um câncer no estômago – mas já havia abandonado o filho muito antes, quando ele tinha apenas um ano de idade, e novamente mais tarde, repetidas vezes. Em Should Have Known Better, Sufjan canta: "when I was three, three maybe four, she left us at that video store" – ou seja, "quando eu tinha três anos, talvez quatro, ela nos abandonou naquela loja de vídeos". Lowell Brans foi casado com Carrie durante cinco anos, e tem uma importância fundamental na vida do músico (apesar de ele ter passado a maior parte da infância vivendo com o pai, Rasjid, justamente por causa das idas e vindas de Carrie): atualmente, ele administra o selo de Sufjan, Asthmatic Kitty, e aparece muitas vezes no novo álbum – principalmente na faixa-título, em que o artista chama aqueles cinco anos convivendo com o padrasto como sua "estação da esperança". Outro personagem importante do disco é seu irmão Markuzi - hoje um maratonista nacionalmente reconhecido nos Estados Unidos -, e a filha dele, sobrinha de Sufjan, que parece fornecer o único momento de pura alegria deste registro: "My brother had a daughter/ The beauty that she brings, illumination", canta o autor – algo como "Meu irmão teve uma filha/ A beleza que ela traz é iluminação". Sufjan nunca hesitou em colocar temas extremamente pessoais em suas canções, mas aqui sua autobiografia é o centro absoluto das atenções, em letras que falam de infância, família, depressão, solidão, fé e renascimento.


  

Eu avisei que os temas são tristes. Mas a sonoridade, eu juro, não é tanto. Carrie & Lowell é sim um disco introspectivo, para se ouvir sozinho, em um dia calmo em casa ou uma viagem longa e solitária de carro - mas traz uma certa sensação de conforto, de familiaridade. Como o próprio Sufjan explica: "Com este álbum, eu precisava me tirar deste ambiente de faz-de-conta. É algo que foi necessário para mim, depois da morte da minha mãe: procurar uma sensação de paz, de serenidade, em vez de sofrer. Eu não estou realmente tentando inovar, ou dizer nada de novo, ou provar qualquer coisa. É quase como se não fosse arte. Este disco não é um projeto de arte – é a minha vida."

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