Última Parte
As coisas não melhoraram por muito tempo para Alba. Encontrava uma amiga ou outra, ou uma colega mais próxima. Mas o resto parecia odiá-la, inclusive uma professora, Cláudia.
E para piorar ela não sabia muito bem como lidar. Quanto mais a perturbavam mais ela pedia para parar, chorava, mostrava suas emoções - e aquilo era uma arma deles contra ela. Uma arma poderosa. Tão poderosa que a fez acreditar que precisava mudar as coisas em si. Ela não gostava de como a tratavam, mas começou a não gostar de si. Fazer a sobrancelha não adiantou muito, continuavam a falar, mesmo não existindo mais aquilo.
Seu corpo era tão bonito e normal. O tamanho de suas roupas era pequeno, como muitas roupas de crianças são. Mas ela via tudo maior. Então resolveu dar um fim nisto. E foi direto na fonte. Comia em seu quarto, então quando levava o prato sentava, fazia barulhos de garfo sendo usado, esperava um tempinho e então jogava tudo dentro de uma sacola plástica. E levava o prato vazio para a cozinha. Ela obviamente sentia fome. Mas ignorava e nem lembrava, de tão empenhada que estava, e de tão deprimida também. Apagou de sua memória qualquer efeito colateral - só uma coisa importava. E funcionou. Ela emagreceu tanto que podia ver ossinhos que não percebia antes. E adorava isso. O problema era que nada disto mudou sua situação na escola naquele ano.
E aquilo a influenciaria pelo resto da vida. Se ela chegasse no resto da vida. Os pais ou membros da escola não percebiam o que acontecia: ela fazia bem o papel de se calar.
Passou outro ano, e por mais que tivessem diminuido um pouco as implicâncias, aquilo ficou para sempre nela. Sua auto confiança continuava abalada e ela continuava com suas manias para não ser notada. E continuava magra. Não se via magra. Nem bonita. Mas queria ser, como outras meninas ou como personagens de filmes. Queria ser todos menos ela. Suas notas eram tão horríveis (sendo ela tão inteligente) que quase repetiu de ano, várias vezes.
De pouco a pouco foi aprendendo a lidar. Entendia que quando ignorava eles não tinham poder, pois o que faziam não tinha efeito. Mas dentro de si ela sabia que era rejeitada. E aquilo a machucava, a fazia se afastar de muita gente, inclusive os pais. Mas tudo não passava de uma crise de adolescência para os outros.
Aquele foi o último ano em que alguém mexeu com ela, tudo foi se diluindo em água, sozinho e devagarinho. Mas as coisas não são tão simples. Alba tinha apenas seu instinto para lhe proteger. Ninguém a guiou. Sua forma de lidar era ignorar até ser esquecida. Até ser mais forte. Teve de lidar com estas pessoas em outro colégio também, quando se formou naquele. E tentaram a atingir novamente, mas ela era outra Alba. Mais forte e experiente. Porém mais frágil em seu interior. Cheia de inseguranças. Imperceptíveis a muitos olhos, mas muito forte dentro dela. Passou a odiar seu corpo, seu tamanho, tudo. Não via que era tão linda. E tão inteligente. Ficou tão tímida, calada e invisível que as vezes sentia literalmente as pernas tremerem quando pessoas desconhecidas falavam com ela. Teria um problema de confiança para o resto da vida. Era impossível confiar em alguém. E talvez nem fosse, mas ninguém nunca iluminou seu caminho, ninguém tinha essa preparação.
Alba podia ter crescido nisto inocente de todos esses "pequenos" traumas, que incluiam até mesmo violência física. De toda forma ela tem duas possibilidades de desfecho:
1 - Cresceu, encarou todos esses problemas, engoliu todos os que lhe foram causados, sem eliminá-los por não saber como, mas se calou. Ninguém nunca soube. Ou soube, mas não levou a sério. Não imaginou que por mais que crescesse "normal", forte e feliz, por ter uma boa vida (e continuar sendo inteligente, chegando a ganhar prêmios escolares no futuro, medalhas em esporte e troféus em artes) dentro de si um universo confuso foi aberto, como um portal. Ela passaria por momentos de depressão mesmo esboçando um sorriso. As vezes nem teria um motivo, mas vai ver eram cicatrizes perdendo os pontos. Demoraria anos para perceber que nunca foi o que achava. Olharia seu uniforme velho que sua mãe guardou e veria que era minúsculo. Que nunca foi gorda. Olharia fotos e via que suas sobrancelhas não eram feias. Tinha olhos lindos, lábios e todo o rosto e corpo. A vida seguiu, mesmo deixando várias cicatrizes. Existiria a opção de que absolutamente nada fez diferença em sua vida, mas então as "implicâncias" não teriam sido sérias. Se não tivessem deixado marcas não teriam sido fortes o suficiente para isto. Seria apenas bobagem. Mas quem sabe um dia ela faça uma diferença ao mundo e até mesmo lute contra isto. Ela provavelmente tem vontade, mas ainda não tem coragem. Coragem de se expor para ajudar outras Albas. Está ainda decifrando como seria a Alba sem tudo isso em seu interior para ser forte de verdade e lutar por outros.
2 - Alba não aguentou todas as zombadas, ameaças e jogadas contra paredes, toda a tortura mental. Quando notou que ninguém a sua volta estava ciente do que passava, ou não levava a sério não tinha mais vontade de passar por aquilo. Nem mesmo a comida tão gostosa de sua mãe a dava prazer. Nem seus sonhos. Como não tinha orientação não conseguiu ver sozinha que um futuro livre daquilo a esperava. Pensou que sua vida seria um inferno para o resto da vida. Então parou aquela vida. E sem querer a vida de todos que a amavam a sua volta, mas ela não conseguia ver. Tinha um futuro brilhante. Arruinado por gestos e palavras.
E para piorar ela não sabia muito bem como lidar. Quanto mais a perturbavam mais ela pedia para parar, chorava, mostrava suas emoções - e aquilo era uma arma deles contra ela. Uma arma poderosa. Tão poderosa que a fez acreditar que precisava mudar as coisas em si. Ela não gostava de como a tratavam, mas começou a não gostar de si. Fazer a sobrancelha não adiantou muito, continuavam a falar, mesmo não existindo mais aquilo.
Seu corpo era tão bonito e normal. O tamanho de suas roupas era pequeno, como muitas roupas de crianças são. Mas ela via tudo maior. Então resolveu dar um fim nisto. E foi direto na fonte. Comia em seu quarto, então quando levava o prato sentava, fazia barulhos de garfo sendo usado, esperava um tempinho e então jogava tudo dentro de uma sacola plástica. E levava o prato vazio para a cozinha. Ela obviamente sentia fome. Mas ignorava e nem lembrava, de tão empenhada que estava, e de tão deprimida também. Apagou de sua memória qualquer efeito colateral - só uma coisa importava. E funcionou. Ela emagreceu tanto que podia ver ossinhos que não percebia antes. E adorava isso. O problema era que nada disto mudou sua situação na escola naquele ano.
E aquilo a influenciaria pelo resto da vida. Se ela chegasse no resto da vida. Os pais ou membros da escola não percebiam o que acontecia: ela fazia bem o papel de se calar.
Passou outro ano, e por mais que tivessem diminuido um pouco as implicâncias, aquilo ficou para sempre nela. Sua auto confiança continuava abalada e ela continuava com suas manias para não ser notada. E continuava magra. Não se via magra. Nem bonita. Mas queria ser, como outras meninas ou como personagens de filmes. Queria ser todos menos ela. Suas notas eram tão horríveis (sendo ela tão inteligente) que quase repetiu de ano, várias vezes.
De pouco a pouco foi aprendendo a lidar. Entendia que quando ignorava eles não tinham poder, pois o que faziam não tinha efeito. Mas dentro de si ela sabia que era rejeitada. E aquilo a machucava, a fazia se afastar de muita gente, inclusive os pais. Mas tudo não passava de uma crise de adolescência para os outros.
Aquele foi o último ano em que alguém mexeu com ela, tudo foi se diluindo em água, sozinho e devagarinho. Mas as coisas não são tão simples. Alba tinha apenas seu instinto para lhe proteger. Ninguém a guiou. Sua forma de lidar era ignorar até ser esquecida. Até ser mais forte. Teve de lidar com estas pessoas em outro colégio também, quando se formou naquele. E tentaram a atingir novamente, mas ela era outra Alba. Mais forte e experiente. Porém mais frágil em seu interior. Cheia de inseguranças. Imperceptíveis a muitos olhos, mas muito forte dentro dela. Passou a odiar seu corpo, seu tamanho, tudo. Não via que era tão linda. E tão inteligente. Ficou tão tímida, calada e invisível que as vezes sentia literalmente as pernas tremerem quando pessoas desconhecidas falavam com ela. Teria um problema de confiança para o resto da vida. Era impossível confiar em alguém. E talvez nem fosse, mas ninguém nunca iluminou seu caminho, ninguém tinha essa preparação.
Alba podia ter crescido nisto inocente de todos esses "pequenos" traumas, que incluiam até mesmo violência física. De toda forma ela tem duas possibilidades de desfecho:
1 - Cresceu, encarou todos esses problemas, engoliu todos os que lhe foram causados, sem eliminá-los por não saber como, mas se calou. Ninguém nunca soube. Ou soube, mas não levou a sério. Não imaginou que por mais que crescesse "normal", forte e feliz, por ter uma boa vida (e continuar sendo inteligente, chegando a ganhar prêmios escolares no futuro, medalhas em esporte e troféus em artes) dentro de si um universo confuso foi aberto, como um portal. Ela passaria por momentos de depressão mesmo esboçando um sorriso. As vezes nem teria um motivo, mas vai ver eram cicatrizes perdendo os pontos. Demoraria anos para perceber que nunca foi o que achava. Olharia seu uniforme velho que sua mãe guardou e veria que era minúsculo. Que nunca foi gorda. Olharia fotos e via que suas sobrancelhas não eram feias. Tinha olhos lindos, lábios e todo o rosto e corpo. A vida seguiu, mesmo deixando várias cicatrizes. Existiria a opção de que absolutamente nada fez diferença em sua vida, mas então as "implicâncias" não teriam sido sérias. Se não tivessem deixado marcas não teriam sido fortes o suficiente para isto. Seria apenas bobagem. Mas quem sabe um dia ela faça uma diferença ao mundo e até mesmo lute contra isto. Ela provavelmente tem vontade, mas ainda não tem coragem. Coragem de se expor para ajudar outras Albas. Está ainda decifrando como seria a Alba sem tudo isso em seu interior para ser forte de verdade e lutar por outros.
2 - Alba não aguentou todas as zombadas, ameaças e jogadas contra paredes, toda a tortura mental. Quando notou que ninguém a sua volta estava ciente do que passava, ou não levava a sério não tinha mais vontade de passar por aquilo. Nem mesmo a comida tão gostosa de sua mãe a dava prazer. Nem seus sonhos. Como não tinha orientação não conseguiu ver sozinha que um futuro livre daquilo a esperava. Pensou que sua vida seria um inferno para o resto da vida. Então parou aquela vida. E sem querer a vida de todos que a amavam a sua volta, mas ela não conseguia ver. Tinha um futuro brilhante. Arruinado por gestos e palavras.
FIM
O que a Alba desta história fez não saberemos, mas as duas opções existem o tempo todo, por todo lado. Muitas e muitos Albas morrem todo o tempo. E quando dizemos "bullying é só uma modinha, não existe" estamos matando mais. Não importa o nome que isto leva, o rótulo que escolhem - é preciso olhar o problema, a fonte. Você pode estar matando um pedacinho de alguém do seu lado dizendo isso. Não sabe o que alguém ao seu lado pode ter passado na vida.
Seu filho ou sua filha podem ser um gatilho para Alba. Oriente. Ele também pode estar perdido, e vai fazer outro que não tem culpa ser prejudicado. Não permita.
Leve a sério toda forma de dor.
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