Preconceito meu de cada dia

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A verdade é que eu nunca fui uma pessoa racista, machista, homofóbica, preconceituosa ou qualquer coisa do tipo. E também nunca tive amigos que são qualquer uma dessas coisas, de modo escancarado. Tenho algumas lembranças da minha infância, quando nem entendia o que eram essas coisas, que tentam me convencer disso:

Na primeira vez que ouvi a palavra 'feminismo', algo entre os 5 e os 8 anos, perguntei pro meu pai, com as minhas palavras da época, "Feminismo quer dizer mulheres governando o mundo? Legal."
Foi então que ele parou e me explicou, nos básicos dos básicos, que não era bem aquilo (Mas a verdade é que continuo achando a hipótese legal.).

Com uns 6 ou 7 anos, começou o meu fascínio por Barbies. Tinha dezenas e, como toda menina na época, só tinha um Ken. Vivia procurando quem brincar comigo, e um desses dias foi meu primo, um ano mais novo que eu, que topou a brincadeira. Mas tinha uma condição: eu tinha que ser o Ken, e ele a Barbie. Admito que fiquei revoltada: as bonecas eram minhas e você é menino, tem que ser o Ken! Ele falou que queria fazer a Barbie ficar com o Ken. Ainda estava revoltada, mas okay, deixei... 

Por volta dos 9 anos, estava assistindo algum programa no estilo Casos de Família com a empregada da minha casa na época. O caso era sobre uma transsexual que estava sendo chutada pela família, Na época, só diziam que ela era gay. Hoje sei que não é bem assim, mas vamos usar o termo de orientação sexual nesse caso. Eu falei que não entendia qual era o problema, minha empregada concordou. Foi então que, na maior inocência, perguntei "Você ligaria se o Christopher fosse gay?" No que ela riu e me respondeu "Ah não, ele não pode, não. Meu filho é bonito demais para isso". Eu fiquei sem entender o que uma coisa tinha a ver com a outra e falei que aquilo era preconceituoso, mesmo sem ainda entender.

Mas também teve aquela época, entre os 10 e os 12, que comecei a achar que eu estava errada e cultivei mais esses comportamentos deploráveis. Até que um dia, já emo e doida por Good Charlotte, minha amiga me contou que Billy Martin, o guitarrista, era assumidamente bissexual. Falei "eew, que nojo" e ela "Nojo nada, é lindo". E me levou para o caminho slash/yaoi da vida, o que resultou em eu deixar de lado esses preconceitos que ficaram tentando se instalar em mim para que eu fosse melhor aceita entre meu círculo de amigos na escola.

E mesmo assim não foi nada fácil para mim quando a internet explodiu com o 'politicamente correto' e eu vi todas aquelas pessoas falando de um modo que implicaria que sim, eu, mulher, não-heterossexual, com os mais variados tipos de amigos, era extremamente preconceituosa. Levei algum tempo, achei que era drama. Mas, por algum motivo, continuava a ler aqueles posts que iam aparecendo pela minha timeline. E fui entendendo.

O machismo, racismo, homofobia, transfobia, classicismo, meritocracismo, e todos esses outros ismos horríveis, tudo isso está enraizado dentro de nós. Em como nos vestimos, nos portamos, falamos, nos relacionamos. E é difícil. É uma desconstrução pesada - especialmente quando se trata de algo que não está na sua vivência. Como você explica machismo para um homem? Racismo a um branco? Homofobia a um heterossexual? 

Tudo bem, eu sei. O grosso, o pesado, todo mundo consegue entender. Todo mundo do meu círculo, ao menos. Nunca tive um amigo que não entendesse esse grossão e achasse que sim, todos merecem direitos iguais e felicidade. Mas o diabo está nos detalhes. Naquela frase que você fala por ouvir seu pai repetir desde que era pequeno. Naquela hora que diz que o negro tá de mimimi. Quando acha que lésbicas existem para o seu prazer visual. E em muita, muita, muita coisa... É uma merda. Quando você começa a enxergar esses diabos, percebe que eles estão em todo lugar. E é difícil desconstruir isso dentro de si mesmo.

Uns dois anos atrás, eu decidi que não iria mais xingar mulheres de formas machistas. Nada mais de puta, vadia, vaca, gorda. Falhei miseravelmente. Mas posso dizer que hoje já melhorei muito nisso, mesmo sendo um caminho complicado, no qual eu tive que analisar o que estava falando e como estava agindo o tempo todo. Mas ainda tenho muita coisa a desconstruir. Muita.

Por isso, resolvi criar essa série de posts, chamada 'Preconceito meu de cada dia'. Não quero falar do preconceito dos outros, não nesse momento. Não quero falar do absurdo racista que ouvi no trabalho. Não me interessa em qual nível a sua desconstrução está. Eu quero melhorar a mim, e se der sorte, melhorar alguém ao mostrar o que está errado dentro da minha criação, para que quem esteja lendo dê uma olhada dentro de si mesmo. É um auto-julgamento constante, exposto para quem quiser ler. Então, toda vez que eu falar algo que não seja 'politicamente correto', que eu notar ou alguém ao meu redor apontar, virei aqui e vou repetir todas as asneiras que falei. Ou até mesmo que pensei. Quem sabe assim, em outro dia aquele pensamento não ocorra, o que também fará ele não ser falado.

Convido também todos os meus outros amigos e contribuintes do blog a participarem da série, se assim quiserem. E também quem estiver só lendo: os comentários estão aí pra isso. Eu sei, é difícil admitir o seu erro, especialmente algo tão profundo dentro de nós e de nossa sociedade, e é humilhante expô-lo dessa maneira. Mas eu considero importante para o crescimento pessoal e de toda a sociedade.

Então, vamos lá: qual foi a idiotice que você disse hoje?
A minha foi:

"Caralho, mas você já tem uma filha dessa idade...? Quantos anos você tem? Parece tão novo..."

Como se eu não soubesse desde os dez anos que meninos começam a poder ter filhos lá por essa idade. Derrrr. E como se não soubesse melhor ainda o tanto que a realidade do cara em questão é diferente da minha para julgá-la se baseando na minha vivência. Tá foda, viu. Vamos melhorar isso aí. 

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