As incríveis mulheres de Gotham

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Não sei bem quando isso começou, já que sobre as teorias do feminismo na mídia eu já sabia fazia um bom tempo, mas do ano passado para cá tenho analisado cada vez mais o papel que a mulher representa na cultura pop. Na verdade, talvez eu saiba: já estava reparando mais, mas piorou consideravelmente após a Comic Con Experience 2014, que ocorreu na cidade de São Paulo no ano passado. Entre ver um painel com Jason Momoa, que deixou claro como achava importante a DC colocar atores não-brancos em papéis de personagens grandiosos e que são brancos nas HQs (o que é um assunto para outro post), e entre correr para pegar um autógrafo do bonitão, conseguimos encaixar um horário para assistir a um outro painel. Um painel infinitamente menor, que não tinha fila alguma, nem ninguém lutando para tocar no palestrante enquanto ele andava entre o público para o desespero dos seguranças: um painel ministrado por mulheres que trabalham com quadrinhos, falando sobre o seu gênero na cultura pop, tanto sobre a própria experiência profissional em uma área majoritariamente dominada por homens, quanto sobre como estavam representadas nessa área.

Várias coisas muito importantes foram ditas, mas uma me chocou consideravelmente e é a frase que me lembro até hoje (mas não me lembro qual das mulheres incríveis que lá estavam disseram, mil perdões), que ia mais ou menos assim:

"Todo mundo conhece os X-Men. É extremamente difícil encontrar alguém da minha geração, nascidos no final da década de 80 e início de 90, que não os conheça até um pouco além, graças ao desenho animado. Mas mesmo assim, aqui vai uma questão para qualquer um com um conhecimento básico em x-men (básico, repito. Pessoas que leram quadrinhos suas vidas inteiras, não venham reclamar.): reflitam sobre as diferenças psicológicas entre Magneto, Professor Xavier e Wolverine. É bem claro, certo? A personalidade deles é tão diferente que não existe nem como comparar. Agora vamos pensar na psicologia da Tempestade, Jean Grey e Vampira. Complicou um pouco? Pois é."

Posso te dizer facilmente como elas são fisicamente. Sei seus poderes. Sei até o drama da vida delas. Mas não sei dizer muito sobre suas personalidades.

Tudo bem, não sou uma grande conhecedora de quadrinhos. Nunca os li. Mas cultura pop é algo que consumo infinitamente desde pequena. E quando cresci, notei que não fui bem representada ali. Desde então, não existe um filme, seriado, livro ou o que for que eu veja ou leia que não procuro aplicar o Teste de Bechdel, que consiste em termos duas mulheres com nomes no filme, que conversem entre si sobre algo não relacionado a um homem, o Teste de Ellen Willis, que nos estimula a inverter o gênero do personagem e transformá-lo em masculino para ver se ainda é consistente ou se é totalmente estereotipado, e por fim o Teste de Mako Mori, que pede uma personagem feminina com uma narrativa própria, que não sirva apenas de suporte para uma história masculina. Expliquei de maneira bem simplificada os testes, mas quem quiser entender um pouco melhor pode ver esse ótimo guia do Não Aguento Quando. Por mais simples que isso tudo possa parecer, ficar consciente de todos esses testes deixou minha vida muito mais difícil. Admito que muitas vezes foco apenas no teste de Bechdel, e mesmo assim não encontro resultados.

Recentemente, me revoltei com Gotham. O arco de personagens de Batman nos traz personagens femininas incríveis. E em um determinado episódio, o único momento no qual mais de uma personagem feminina conversava com a outra, era simples e unicamente para discutirem que roupa Barbara deveria usar para reconquistar Jim Gordon. Selina Kyle, futura Mulher-Gato, e Ivy, futura Hera Venenosa, estavam ali, dizendo a Barbara que ela não deveria usar um vestido muito curto, para se preservar e dar um ar de mistério - que deveria ser irresistível ao detetive. Eu tenho certeza absoluta que as três teriam muito mais sobre o que falar em um chá da tarde. Quando reclamei disso, me falaram "mas é com a Barbara, ela é a pior personagem do mundo! Uma doida.". Pera lá. Eu sei que tal pessoa sabe um milhão de vezes mais sobre quadrinho do que eu... Aliás, todo o pouco que sei é graças a ela. Mas... Doida? Não vamos comparar loucuras, mas doido o Coringa também é e todo mundo consegue encaixar uma trama ótima pra ele. É um puta de um personagem. Aliás: que vilão grande não é doido? Como esse adjetivo torna personagens femininas (fictícias e reais) tão inferiores?

Mas Gotham ouviu minhas reclamações e calou minha boca em seu season finale. Revi algumas cenas em loop. Fiquei doida no meio do episódio. E um episódio que pode ter sido bonzinho acabou sendo incrível para mim. Graças às suas mulheres. Que foram porcamente desenvolvidas durante toda uma temporada - especialmente a doida da Barbara - mas que abriram um espaço para serem representadas como merecem em temporadas que estão por vir.

Sem mais delongas: vamos analisar o episódio, sob a ótica das personagens femininas. A partir daqui, teremos spoilers.


A primeira cena é um barco surgindo pelo nevoeiro de Gotham, enquanto Cat se aquece, junto a outros adolescentes de rua. Quando o barco se aproxima o bastante, ela vê uma mulher em sua proa. Como deveria ser nos navios dos piratas, ali, entalhada, sem vida e sendo a única alma feminina do barco. Mas aquela mulher era real, viva, com um manto sobre a cabeça e iluminada. Se isso não é uma santidade, eu não sei o que é. E, atrás de sua luz, em sua sombra, estão os homens, remando o barco e levando aquela mulher à terra. "Wow". É a única coisa que Cat diz ao ver Fish Mooney, que se aproxima para lhe dar bom dia, em plena noite. Cat é a única a continuar próxima de Fish, e em três simples frases, o episódio passa do teste de Bechdel logo na primeira cena.

A próxima cena que nos importa nesse momento é de Jim Gordon chegando ao consultório de sua nova namorada, Lee Thompkins, para encontrar ela consultando a sua ex-namorada, Barbara Kean, recentemente atacada pelo Ogro e forçada a escolher a morte de seus pais. Lee diz que fisicamente, Barbara está ótima, mas que precisa se apoio psicológico. O único jeito de fazer Kean concordar é se a própria Lee for sua terapeuta. Nesse momento, você já está gritando desesperadamente para que ela diga não. Chora só de imaginar como elas vão ficar competindo pelo Jim e esquecer qualquer outra coisa. A dor é real ao imaginar Barbara querendo roubar o homem para si, já que seu valor só é definido por ele na série. Mas Lee concorda, e então você fica desesperado com a burrice dela. Até notar que não é burrice: é sororidade. Ela sabe quem Barbara é, sabe o que ela representou para seu namorado. Até mesmo admitiu no episódio anterior ter medo de ajudá-lo a encontrar a Barbara enquanto essa estava sequestrada. Mas ela também sabe - como uma profissional - que uma mulher naquela posição não confia em qualquer pessoa, e que a confiança vai ser um elo essencial na melhora do trauma de Kean. Lee, então, ignora o olhar do detetive que lhe implora para que não converse com Barbara mais do que o necessário, e aceita. A ideia de sua namorada e sua ex conversando deixa Gordon tão desesperado que seu parceiro, Harvey Bullock, tem que falar duas vezes sobre as grandes novidades entre a guerra de gangues de Gotham. A guerra pelo coração de Jim Gordon parece ser mais importante.

Temos então dez minutos da mais tradicional gangue masculina de Gotham, seguida por um tiroteio e e uma lutinha - que ajudou a reestabelecer a masculinidade do detetive - até voltarmos às nossas mulheres. Fish está com um novo visual, no esconderijo super secreto do mafioso Falcone - a quem estava tentando derrubar desde o início da temporada, e quem acreditava que ela estava morta até então. Ops. Pinguim fica boquiaberto, Falcone quase morre ali mesmo para evitar a tentativa de assassinato, Harvey não sabe se o que sente é medo ou tesão e Jim se pergunta até onde pode ser um policial legal.



E cortamos para as outras duas mulheres da série. No apartamento de Barbara, ela conversa com Lee, no ambiente mais acolhedor possível. A lareira não é suficiente para que ela se sinta segura, então a médica faz questão de levantar e ir se sentar ao lado de Kean, a encarando com seus olhos cheios de dor pelo que a outra passou - especialmente quando pensa que poderia ter sido ela ao invés de Barbara.

Woah. Corta pra Fish. Apesar de sua entrada triunfal - não muito bem explicada - e de sua aparência maravilhosa e nada hetero-normativa, a primeira cena revelante nesse cenário é ela conversando com seu ex-criado, seu amigo e confidente, Butch, o qual foi torturado até virar o cachorrinho do Pinguim. Aquela mulher forte e incrível está ali, com as pessoas que mais odeia no mundo, mas vai primeiro conversar com seu grande e torturado amigo. Não é uma cena na qual você imagina homens. Li diversas vezes que uma mulher forte não estava apenas em seu físico, mas muito em seu emocional - em como mulheres são mais capazes, por diversos motivos, de se expressarem emocionalmente melhor, de terem empatia e preocupação com o próximo. Mulheres fortes não são apenas mulheres que imitam o papel dos homens: são aquelas que também sabem abraçar o seu lado 'feminino', se aprofundarem em uma emoção, são aquelas que não possuem vergonha em ter emoção. O lado maternal de Fish também é sua força. A cena do reencontro dela com Butch é tão forte quanto a próxima - na qual ela tem todos os seus inimigos presos, aguardando para entregá-lo ao seu novo amigo (já que o inimigo do meu inimigo é meu amigo).

Cat então aparece: uma mini-Fish. Tinha deixado a jaquetinha e o capuz de lado e agora usava o cabelo igual ao da sua nova mentora, e roupas melhores. Gordon espera que aquela menininha ali - a quem ele conhece e ajudou - seja sua saída. Afinal, é uma menininha.

What? Te soltar? E acabar com a melhor parada que eu já estive só porque a 
gente meio que se conhece, mais ou menos? Sai fora, ômi

Fish volta na cena, com seus olhos de cores diferentes, seu moicano, piercings e um decote fenomenal. O mais legal? Ninguém tá ligando pro decote (Ok, talvez eu esteja.) Mas ela chega e dá seu discurso glorioso, garantindo a Pinguim que a morte dele será lenta e dolorosa - não pelo que ele fez com ela, mas pelo que fez com seu amigo. E depois continua a dar as sentenças de como cada um dos seus prisioneiros morrerá. Cat, então, pergunta como ela os matará.



Voltamos então para Lee e Barbara, que abre seu coração sobre como foi ser refém do Ogro. E enquanto fala, trêmula, quebradiça e com os olhos cheios de lágrimas, conseguimos reconhecer tantas mulheres reais na fala de Barbara.

"Jason viu direto por mim. Ele me conheceu, instantaneamente. Era como se eu estivesse nua, foi assustador... Mas emocionante. E... todos os melhores caras são um pouco assustadores, não?"

É, Barbara. Infelizmente todos os caras são um pouco assustadores, para todas nós. E ainda piores para tantas outras. Como podemos ficar confortáveis, mesmo com nossos namorados-exemplos pró-feministas, enquanto sabemos que existem outras de você por aí, presas nesses relacionamentos? Acreditando que desse modo que deve ser, que aquela é a emoção certa a ser sentida? Quantas vezes não nos forçaram a acreditar nisso? Tudo bem, a parte de te sequestrar, te prender no quartinho vermelho da dor sádico e te levar para matar seus pais parece um pouco menos relacionável.... Mas é mesmo?

Lee estava tão despedaçada quanto eu, conforme Barbara falava. Até Jim Gordon entrar no meio, em uma tentativa desesperada de Barbara tentar competir pelo homem. E confirma que ele tinha sido diferente, apesar de a assustar ainda mais que o psicopata, e que ele nunca havia batido nela... Mas talvez tivesse em Lee? Por paixão? Mas tudo bem. Ele é um dos caras bonzinhos. Vamos comer?

Voltamos então ao galpão com Fish Mooney, e Don Maroni demonstra sua ampla admiração por ela logo ao entrar. "Fish, sua assassina misteriosa, louca, linda!", ele exclama enquanto a puxa para um abraço - ao qual pela cara dela, ela obviamente não consentiu e não gostou. E aqui, Fish engole seu empoderamento pela primeira vez. Mas Maroni nem nota e vai logo até Falcone, cantar vantagem de como ele o derrotou. Pinguim saca tudo e logo trama um novo plano para tentar se safar, mostrando a Fish como ela será inútil ao mafioso assim que Falcone morrer. E então Maroni começa a errar... Diz que não precisa sentir medo de Mooney, já que ela não é uma rival e é uma subalterna. Mas Fish responde que não pode ser uma subalterna, já que subalternos recebem ordens e ela não. E aí Don Maroni confirma, falando que sabe aquilo e que ela deve... relaxar. E ela já está relaxada. Não é por estar se impondo que ela está nervosa, não é por dizer que não vai receber ordens de Don Maroni ou de qualquer outro. Não é por estar brava que se está na TPM, não é por falar mais alto que está louca. Mas é bem fácil estereotipar uma mulher assim. E, para piorar.... Maroni fala "Não acho que você esteja, gatinha". Woah. Não. Nesse momento, já sou eu não-relaxada pulando do sofá e revoltada com esse cara. E começa com aquele discurso todo de "É um elogio, é um termo carinhoso, quer dizer que eu gosto de você..." E tenta mais uma vez tocar nela. Woah. Não. Se olhares matassem, Maroni estaria morto naquela hora, mas só dá um passo para trás e diz como se expressou mal... Ela não era uma subalterna e não era uma gatinha. O que Fish era? Ela só diz que eram parceiros. O macho-alpha concorda, mas deixa bem claro que ele é o parceiro número 1 e ela o número 2. E a faz repetir... Fish já está com os ombros tão tensos que precisa movê-los para tentar relaxá-los. E quando ela repete, ele parabeniza a gatinha mais uma vez. Ops. Mas era a última vez. Até falar mais uma vez, depois de seu discurso de poderoso chefão. Right, babes? Opa, hehe.. brincadeirinha.




Todo mundo fica chocado olhando e depois a guerra recomeça. Mas quem liga pra guerra depois de uma cena dessas? Qual foi a minha reação, com a bocona aberta igual a de todos na série? Alegria, emoção, dei um grito de liberdade, escorreu uma lágrima e ainda rebolei depois.

Toma, mascu

E voltamos para Barbara, que agora serve leite para o chá dela com Lee, quem, aliás, começa a ficar um pouco impaciente para chegarem logo ao assunto. Sim, elas estão conversando, mas não sobre o que realmente aconteceu entre Kean e o Ogro... Okay, Barbara diz que pode contar, mas Lee era uma moça boa demais para ouvir. Lee aceita o desafio, mas o que recebe logo depois é uma pergunta inapropriada sobre Jim já ter lhe dito que a ama ou não. Com toda a graça do mundo, a médica repreende sua paciente, apenas para acabar lhe respondendo depois. E Barbara continua. Lee é linda, inteligente, óbvio que Jim a ama... Essas palavras, saídas da boca de uma ex-namorada, podem ser tão fortes e significativas. É uma luta entre mulheres eternas, que precisam empoderar outras apenas para entenderem como o homem pode trocá-la. Não importa se Lee realmente é linda, inteligente ou o que for importante a Gordon. O que importa nesse momento é que Lee é mais bonita, mais inteligente que Kean, uma adversária. Mas tudo bem. Thompkins respira fundo e pede novamente para que Barbara lhe conte o que aconteceu. A loira finalmente se abre e conta tudo fora das telas, voltando apenas quando já está a falar do dia que o Ogro a levou para matarem seus pais. Com muita dor na voz, ela dá relatos de como lhes falou tudo o que estava entalado na garganta desde que era pequena, como os pais não lhe davam voz ou o afeto que ela esperava, como destruíram a sua auto-estima até que ela desaparecesse. E como não a entendiam... Mesmo enquanto ela os matava. Lee a corrige, dizendo que Jason quem matou os pais Kean, mas Barbara nega e revela como os esfaqueou diversas vezes até cortar suas gargantas, enquanto agarra uma faca em cima da mesa. Lee ainda tenta fugir, mas a doida da Barbara é mais rápida, deixando apenas a alternativa da médica pedir por favor para ir embora.


E agora a Lee sai correndo desesperadamente em direção ao banheiro, óbvio, e se fecha lá para ligar ao seu herói, buscando um resgate. Mas o celular não funciona e Barbara resolve encarar a louca quebrando a porta do banheiro e indo atrás dela com uma faca. A cena logo depois é a de Jim subindo no elevador para a casa de Barbara, o que me desapontou na hora. Não quero que a mocinha seja salva pelo herói. Já estamos fartas disso. Mas graças a deusa, Thompkins não precisa do seu cavaleiro em um cavalo branco e quebra o espelho, agarrando um pedaço dele e se preparando para a batalha. A briga é um pouco idiota, sim. Tapas e puxões de cabelo, empurrões e peças de decoração quebradas. Sério, que mocinha por aí não sabe que dói mais fechar a mão pra bater que dar um tapa? Mas enfim, caem no chão e Lee consegue dominar a inimiga, a segurando no chão e aproveitando para esmagar sua cabeça. O que importa é que, mesmo com tapas e puxões de cabelo, ela não precisou ser salva.

vamos fingir que não é um boneco no lugar da Barbara

E só depois, quando Lee Thompkins já dominou a outra e está a salvo, é que Jim chega. Desculpa, homem, não tem mais trabalho pra você aqui não. Vem me dar um abraço que é só pra isso que você está servindo.

Voltamos, por fim, então para Fish Mooney, que está sendo caçada por Pinguim. Ela que acaba o encontrando e lhe dando uma bela de uma surra com um pedaço de cano. Isso sim é uma mulher que sabe lutar. Fish acaba perdendo vantagem mas aguenta a dor com um sorriso e continua numa luta de igual para igual com Pinguim. Tudo bem, esse Pinguim não é lá o personagem mais forte fisicamente da história, mas uma mulher lutando de igual para igual com qualquer homem que seja já é algo que deixa o coração quentinho. E ela só perde por seu amigo ter passado por uma lavagem cerebral com seu adversário e acabar atirando em sua perna. Mas Butch também atira em Pinguim e corre até sua amiga para se desculpar - o que ela faz. Ela não o culpa por nem um segundo e ainda garante que ficará bem. Pinguim então a joga do prédio, direto ao rio. Se fosse Game of Thrones, eu estaria preocupada, mas é um seriado sobre super-heróis... Mesmo que Jada Pinkett-Smith não vá estar na próxima temporada, todos sabemos que ela voltará.

E era pra ter terminado esse episódio de linda representação feminina. Mas, para compensar todo o resto da temporada, ainda ganhamos um extra. Srta. Kringle, que estava em um relacionamento abusivo com um policial até pouco tempo atrás - até Nygma matá-lo, para ser mais clara - deixou de ser só aquela moça bobinha do departamento policial. Sim, o desaparecimento de seu namorado foi extremamente esquisito, e o bilhete que ele deixou mais ainda. Especialmente quando nota que todas as iniciais das linhas do bilhete formam o nome NYGMA - o mesmo daquele engraçadinho que adora charadas. E ela vai enfrentá-lo quanto a isso. Tudo bem, Nygma obviamente nega saber qualquer coisa quanto a isso, e ela não acredita mas sai mesmo assim, rebolando e com um close desfocado em sua bunda (oi, desnecessário?). Mas foi uma mulher abusada, que notou algo errado e foi confrontar um cara estranho, que aliás a passou a temporada inteira a perseguindo, mesmo que ela tenha demonstrado várias vezes não ter qualquer interesse romântico no sr. Nygma, e que agora pode ter algo relacionado à morte de seu atual namorado. É uma mulher considerada fraca, idiota por continuar com um cara que a machuca, se impondo. E isso é lindo. Um início espetacular não apenas do Charada, como também de mais uma força feminina, completamente diferente das outras e, principalmente: que não imita a força masculina.

Dito tudo isso: sim, o episódio não foi dos mais fortes do mundo para um season finale. Mas foi. Foi por ter aberto portas para toda uma representação de um gênero que tem sido há muito ignorado pelas produções de cultura, que só serviu de apoio e para sexualizar. Somos garotas, temos personalidade e a nossa força. Não precisamos mais ser salvas pelos mocinhos da série - mesmo que nossa única arma seja tapas e puxões de cabelos. Quem sabe na próxima temporada a gente já não chegue em socos?
O que importa é que estamos ali. Estamos sendo representadas como a mafiosa sensacional, que dá um tiro no meio da testa daquele que a desrespeita e inferioriza por ela ser mulher. Estamos representadas como a menina abandonada que encontra uma mãe e percebe que pode ser tão forte quanto ela. Estamos representadas na médica, na profissional, que vê a outra como sua irmã ao invés de enxergá-la como a sua rival, e que tenta ajudá-la até o último instante. Estamos representadas nas mulheres que agarram o que possuem na hora e lutam como podem. Impressionantemente, estamos representadas na mulher doida que viveu por um homem e que enxerga outras mulheres como rivais, na mulher doida que não é levada a sério por ter tomado algumas decisões ruins na vida e automaticamente ser considerada emocionalmente incapaz, invalidando assim tudo o que ela sente e vive. E também na mulher que tanto sofreu, mas que ainda não precisa ser salva se não pediu, e especialmente não precisa ser salva por um outro homem que não percebe ser tão abusivo quanto o anterior. O que importa é que estão escrevendo sobre mulheres nem um pouco perfeitas, doidas, jovens, adultas, loiras, negras, de cabelo comprido e de moicano, ricas e pobres, politicamente corretas ou não. O que importa é que: mulheres.

Uma vez, no tumblr, perguntaram a uma autora de fanfics sobre como ela escrevia personagens femininas tão fortes. A resposta dela?

"Screw writing 'strong' women. Write interesting women. Write well-rounded women. Write complicated women. Write a woman who kicks ass, write a woman who cowers in a corner. Write a woman who’s desperate for a husband. Write a woman who doesn’t need a man. Write women who cry, women who rant, women who are shy, women who don’t take no shit, women who need validation and women who don’t care what anybody thinks. THEY ARE ALL OKAY, and all those things could exist in THE SAME WOMAN." (Foda-se escrever mulheres 'fortes'. Escreva mulheres interessantes, Escreva mulheres bem centradas. Escreva mulheres complicadas. Escreva uma mulher que chuta bunda, escreva uma mulher que se esconde no canto. Escreva uma mulher que está desesperada por um marido. Escreva uma mulher que não precisa de um homem. Escreva mulheres que chorem, mulheres que não parem de falar, mulheres que são tímidas, mulheres que não engolem sapos, mulheres que precisam de validação e mulheres que não se importam com o que qualquer um diga. TODAS ESTÃO BOM, e todas essas coisas podem existir NA MESMA MULHER.)

E você pode ler essa resposta incrível completa aqui.

Representação feminina importa tanto que a Camren Bicondova, atriz da Selina Kyle, com seus 15 anos diz sobre o que ocorre com a sua personagem nesse episódio:

"Selina joins forces with Fish Mooney. The fact that Selina gets to be part of a team that's led by a woman who is so strong and fierce - it empowers her ans she realizes, 'I can BE powerful'" ("Selina une suas forças com Fish Mooney. O fato de Selina se tornar parte de um time liderado por uma mulher tão forte e poderosa - isso a empodera e ela percebe, 'eu posso SER poderosa'")

E é isso. Eu só quero mais meninas de 15 anos notando que elas também podem ser poderosas. Não todas de forma como a Fish é empoderada, mas como a Lee é. Como a Srta. Kringle é. Até mesmo como a Barbara é. Eu só quero mais e mais mulheres com a noção de que podem ser empoderadas - e de tomarem esse poder todo para ajudar a repassar para outras mulheres, meninas, moças. Que Gotham continue assim e que várias outras meninas sejam empoderadas, que elas percebam que personagens femininos só não são bons quando o homem por trás delas é ainda pior e não enxerga o poder que existe dentro de uma única mulher.

 
Feminist slap pra quem acha que mulheres - e personagens femininas - não podem ser interessantes.

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