Parte 2
Alba tinha um diferencial diante da turma: entrou na metade do ano. Ela e seus pais precisaram mudar de cidade devido ao trabalho deles. E imprevistos não tem data escolar. Ela, acostumada a mudar e a ser sempre bem tratada, achou que seria legal. Adorava o processo de mudar de escola.
Passaram um ou dois dias quando realmente a notaram. Ou quando ela percebeu que era o centro das atenções, provavelmente desde o dia um. Nos primeiros dias não interagia muito com seus colegas, pois tinha de ultrapassar a fase da timidez. Mas viu que isso seria muito difícil quando viu os primeiros olhares zombadores. Olhou para Verônica quando percebeu que esta a encarava e sorriu. Mas o sorriso murchou devagar quando viu que esta a olhava com um sorriso sarcástico porque falava dela para sua colega de carteira (as carteiras eram em dupla). Tudo bem, logo esqueceu, sua dupla tratava-lhe bem e não devia ser nada demais. Voltou sua atenção ao quadro negro, à professora e às suas canetas coloridas.
No intervalo de aulas continuava sozinha, pois todos já tinham seus amigos, suas panelinhas. Nem mesmo sua dupla, Anastásia, lembrava dela. "Eles só não me conhecem ainda, tá tudo bem". Sentou no jardim da escola. Era lindo, cada árvore tinham banco a sua volta para sentar perto delas. Uma bonita quadra de esportes e os prédios da escola eram antigos. Ela gostava das janelinhas azuis. Abriu seu pacote de biscoito do lanche e começou a comer quando Verônica passou com algumas de suas amigas e esbarrou nela propositalmente, rindo quando viu Alba levando um susto e seu lanche indo pro chão. O que mais a chocou na verdade foi vê-las rindo de si enquanto seguiam seu caminho. Ou a professora perto que viu e não fez nada. Aquilo não fazia muito sentido para ela.
De volta à sala percebeu mais risadas, mais olhares de deboche. Sentia-se encolher devagar, querendo cavar um buraco em seu caderno bonito e bem escrito e sumir. Escutou coisas como "a sobrancelha dela é uma floresta!" ou "nariguda", mas o que intensificava tudo eram as risadas. Seus pais a ensinaram que apontar para alguém era errado. Não entendia como eles apontavam e riam dela assim de maneira que ela ainda por cima visse.
Naquele dia viu outra Alba quando se olhou no espelho. Notou o que antes nunca lhe foi um problema: suas sobrancelhas e seu nariz. Seu nariz era absolutamente normal, mas por alguma razão o "nariguda" a fez ver um nariz do tamanho de uma montanha. E os pêlos que uniam sutilmente as sobrancelhas pareciam realmente uma floresta. E não demorou para que notasse os quilos a mais, graças aos próximos dias na escola.
"Chegou a monocelha!"
Podia contar nos dedos as pessoas que não a atormentavam todos os dias. Mas elas não eram suficientes, ela não tinha com quem falar, chorar ou desabafar. Nem mesmo para seus pais ela falou algo, pois tinha vergonha. Passou a andar com uma outra atitude: amarrava o casaco da escola no quadril na esperança de escondê-lo e o rosto sem que notasse andava mais baixo que o normal. Como se assim fosse possível esconder suas sobrancelhas. O cheiro do shampoo no cabelo molhado já não lhe trazia muita alegria, agora seu único foco ao ir à escola era não ser notada. Aliás, sempre que podia, ia ao banheiro e molhava o cabelo com as mãos. Se olhava e via cabelos arrepiados, às vezes onde não havia arrepio. Via o cabelo mais feio do mundo. O molhava para então nada sair do lugar, nenhum fio. Tudo tinha que estar controlado e centrado, assim talvez voltasse à sala de aula e ninguém falaria nada. Cabelos molhados, casaco escondendo o quadril e cabeça mais baixa: segurança. Não.
"Comeu a geladeira, monocelha?" (Alba nem ao menos era gorda)
Risadas cúmplices, as piores.
As notas que sempre foram excelentes, pouco a pouco começavam a diminuir, mas pensavam que era apenas uma dificuldade sua. Professores particulares ajudariam. E ajudavam. Mas apenas as notas.
Nessa época, em 2000, ninguém falava de bullying. Nem chamava bullying de "moda". Naquela época o problema era não levar isso a sério ou nem encarar como um problema. Ela nem sabia o motivo, nem pensava nisso. E talvez ninguém realmente notasse, ela sofria calada. Mas ela sofria. Começou a notar que todos estudavam juntos desde muito pequenos, sentindo-se mais peixinho fora d'água ainda. De alguma maneira ir à escola passou a ser torturante. Ela queria tanto que aquilo parasse, queria tanto ser bonita como todas as outras meninas que tinham amigos.
O espelho de Alba a traía, a fazia esquecer das piruetas e encenações teatrais.
Continua...
"Eu não sei porque todo mundo me odeia tanto."
Fonte: Tumblr
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