Obs 2: Há alguns - pequenos - spoilers sobre o comecinho da história. Espero que eles não estraguem a experiência de ninguém.
Jonathan Strange & Mr. Norrell é um dos livros mais fascinantes que eu li na vida - sem o menor exagero. Eu tinha 15 anos de idade quando comprei um exemplar e devorei em uma semana, apesar de suas oitocentas e tantas páginas. E não foi tanto a história que me deixou maravilhada - embora a história também seja fantástica -, mas mais a atmosfera da narrativa. É díficil explicar para quem não leu. Mas todo mundo que eu conheço que teve a oportunidade de botar os olhos nesse livro concorda que Susanna Clarke, a autora, escreve de um jeito... Diferente. A narrativa é tão fantástica - no sentido de fantasia, mesmo; com seus magos, profecias e mundos paralelos - quanto realista - com os dilemas da vida cotidiana, as fofocas divulgadas pela mídia, o tédio das obrigações sociais -; tão graciosa quanto sombria; tão poética quanto sarcástica. Meio Tolkien, meio Jane Austen, meio Charles Dickens. Clarke descreve o sobrenatural com um detalhismo quase científico, pontua a narrativa com aparições de personagens históricos (como o poeta Lord Byron, por exemplo) e enche as páginas de notas de rodapé (enche mesmo: são quase 200) que fazem observações sobre a história supostamente real de uma Inglaterra alternativa, onde a magia fez, por muitos séculos, parte do cotidiano. É fácil se convencer de que tudo o que você está lendo aconteceu de verdade; por que não? Inevitavelmente, você é puxado para dentro da história, como eu já vi poucos livros fazerem. Sem brincadeira: você lê e se sente lá, tanto na Londres do início dos anos 1800 quanto nos salões de Esperança Perdida. A magia de Susanna Clarke também é bem peculiar: é uma coisa que nem sempre maravilha quem a presencia, mas frequentemente atrapalha, prejudica ou intimida - e sempre tem um tom sombrio, com componentes como um sino fantasma que faz as pessoas pensarem em tudo o que já perderam na vida, revoadas de corvos que surgem do nada, uma escuridão que segue a pessoa amaldiçoada onde quer que ela vá, e bailes oníricos atormentadores, que não permitem que seus frequentadores descansem jamais. É uma magia original, meio gótica - como as ilustrações da edição original, feitas por Portia Rosenberg -, única. Neil Gaiman escreveu o prefácio da nova edição, e disse que este é "sem dúvida o melhor romance de fantasia inglesa dos últimos setenta anos." Respect.
Strange e Norrell, na série da BBC |
Até que, em 2015, a BBC resolveu transformar o livro em uma série. O quê? Como assim? Não é mentira?! Sério, não consigo descrever como eu fiquei empolgada. Então alguém além de mim lembra dessa história, alguém resolveu trazê-la de volta, alguém vai matar um pouco da minha saudade da lenda do Rei Corvo - e do meu personagem favorito, meu amado Childermass. <3 Em um ano de decepção com Game of Thrones, saudades de Sherlock e luto por Breaking Bad (acho que estarei para sempre de luto por Breaking Bad), uma série de Jonathan Strange & Mr. Norrell é a melhor notícia que eu poderia receber. Obrigada, Susanna Clarke. Obrigada, BBC.
Tudo bem, eu já enrolei demais para começar a falar sobre a série em si - mas, a essa altura, você já entendeu que eu não estaria agradecendo a BBC se não tivesse amado os três primeiros episódios, certo? Então, sim: OBRIGADA, BBC. <3 Pelo menos até agora (vai saber o que vem pela frente, certo?), Jonathan Strange & Mr. Norrell, a série, é tudo o que um fã da história original poderia querer. Se você leu e gostou do livro, não precisa mais esperar: pode largar esse texto e ir baixar o primeiro episódio, vai. Mas, se você não leu e está se perguntando se deve ou não assistir à série - ou procurar o livro de uma vez -, continue me acompanhando. Vamos lá.
Mr Norrell nos representa <3 |
O mais legal é que a história é uma dessas que não tem mocinhos e vilões bem definidos - os personagens são complexos demais para isso. Eu sempre torci por Strange, apesar de meu personagem favorito estar do lado de seu adversário, mas conheço muita gente que acha que o herói mesmo é Norrell. E isso tudo é só a base da coisa: a história se desdobra nos salões de Esperança Perdida e em seu proprietário, o Cavalheiro dos Cabelos de Algodão - um tipo sinistro e distorcido de fada -; na aparente loucura de Lady Pole, que não é a mesma desde que foi trazida de volta do mundo dos mortos; nos mistérios e na leitura de tarot de Childermass, o inteligente e devotado criado de Norrell; no amor entre Strange e sua esposa Arabella; nas profecias e aparentes loucuras de Vinculus; na ascensão do mordomo Stephen Black à condição de nobreza em Esperança Perdida; nas guerras napoleônicas; no alpinismo social de Drawlight e Lascelles, que fazem de tudo para se aproveitar do sucesso dos dois magos - e, mais que tudo, na história de John Uskglass, ele mesmo, o Rei Corvo. São tantos detalhes, e tão perfeitamente entrelaçados, que você chega à última página se perguntando como diabos Susanna Clarke não se perdeu na própria trama. Não é à toa que ela levou dez anos para finalizar o livro.
Talvez esse seja o único problema do início de Jonathan Strange & Mr. Norell, a série: é muita coisa para contar - e qualquer livro grande deve ser um desafio para qualquer roteirista. Você chega a ficar zonzo no primeiro episódio, com a velocidade com que as coisas acontecem; mas é compreensível: a narrativa praticamente pula o blablablá e vai direto para a sequência em que as coisas começam a acontecer - quando Mr. Norrell, para provar suas habilidades mágicas, faz as estátuas de pedra da Catedral de York andarem, falarem e cantarem. A produção caprichou nos efeitos especiais (assim como nos figurinos, nas maquiagens, nos cenários) - o segundo episódio conta até com uma frota linda de navios feitos de chuva. <3 Mas o seriado já me ganhou nos primeiros minutos, por suas cores, suas imagens, seu estilo de narrativa - por conseguir, em resumo, recriar muito bem aquela atmosfera meio indescritível de que eu falei lá no começo. E, para quem se incomoda demais com mudanças em relação à história original, Jonathan Strange & Mr. Norrell tem sido um alívio: apesar de apressar um pouco uma coisa ou outra, ou inverter a sequência de alguns fatos, o roteiro não mutila nada, não distorce personagens, não muda radicalmente os acontecimentos. É rápido, sim - mas é um rápido fiel ao original, tanto nos o quês quanto nos comos.
Lady Pole voltando à vida |
O Cavalheiro de Cabelos de Algodão e Stephen Black |
Olhem para o Childermass. COMO não amá-lo? |
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